Vizinho à guerra travada entre facções de traficantes, o colégio municipal Paula Fonseca,
no Rio de Janeiro, impõe a seus 500 alunos dificuldades típicas de
escolas brasileiras encravadas em regiões pobres e violentas. Muitas
vezes, as crianças dali, com idade entre 6 e 12 anos, precisam driblar
corpos estendidos no meio da rua para chegar à sala de aula e têm lições
ao som de tiroteio. O cenário é a favela Jorge Turco,
na Zona Norte da cidade, região que produz alguns dos piores índices de
homicídio do estado. Em um ambiente tão adverso como esse, é de espantar
que os estudantes apresentem alto desempenho acadêmico.
O colégio Paula Fonseca figura no seleto grupo composto daqueles 2% de
escolas públicas brasileiras que obtiveram as melhores notas no último
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), avaliação do Ministério da Educação - a média nacional é 4,6. No ranking, há ainda outra escola em situação semelhante, a Pablo Neruda,
também da rede municipal carioca, esta encravada num grotão dominado
por milícias (bandos de policiais e ex-policiais que atuam na
ilegalidade em favelas do Rio). Com 72 anos de idade e há 26 no cargo de
diretora do Paula Fonseca, Celia Tavares diz: "Além de ensinar, nosso trabalho aqui inclui transmitir valores básicos a crianças vindas da extrema miséria e de lares desestruturados".
A
fórmula exemplar dessas duas escolas que saltaram de um universo de
tanta precariedade à elite do ensino público é tão básica quanto rara no
Brasil. Sem nenhum luxo na infraestrutura, ambas contam com diretoras
que, de tão comprometidas, chegam a fincar no pátio sua mesa de trabalho
com o objetivo de conhecer os alunos e aproximar-se deles. Elas são
capazes de manter uma equipe de professores fiel ao propósito de elevar
as chances dos estudantes e, quando necessário, têm conseguido livrar-se
dos menos eficazes - sem dar espaço à habitual condescendência. "Num
lugar como este não há tempo a perder com incompetência", enfatiza Maria
Joselza, há 23 anos no comando do colégio Pablo Neruda, na Zona Oeste
carioca. A experiência das duas escolas reforça aquilo que os
especialistas já aferiram: um diretor envolvido na rotina escolar é
decisivo para o desempenho dos estudantes. "As melhores escolas do mundo
são lideradas por gente hábil na tarefa de criar um ambiente
estimulante para o aprendizado", resume o economista Claudio de Moura
Castro, articulista de VEJA.
Um dos mais abrangentes estudos da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
conduzido em setenta países, incluindo o Brasil, deixa claro que forjar
um clima favorável ao ensino é um dos principais fatores para elevar a
qualidade acadêmica. O conceito pode parecer etéreo, mas se traduz
perfeitamente na realidade de colégios situados em zonas tomadas pela
bandidagem. Alcançar "um bom clima", nesses casos, significa antes de
tudo aproximar pais e moradores da vida escolar. É o que se vê nas duas
escolas alçadas ao topo do ranking do MEC. No colégio Paula Fonseca, a
própria diretora se encarrega de visitar os pais para tirar dúvidas e
falar sobre as constantes dificuldades de aprendizado enfrentadas pelas
crianças. Mais do que isso, ela tenta impedir que seus alunos enveredem
pelo crime. Muitos vêm de famílias ligadas ao tráfico de drogas e, não
raro, até já ingressaram na marginalidade. Conta Celia: "Tento explicar
às mães e às crianças que elas podem ter um futuro longe do crime, e
isso inclui dedicação aos estudos". Para sua frustração, ela nem sempre
tem sucesso.
Fornecer assistência extra a escolas em locais
assolados por maus indicadores socioeconômicos faz parte do arcabouço de
políticas educacionais que, já está provado, contribuem decisivamente
para a excelência. O Chile é um caso exemplar de país que conseguiu
aproximar o nível dos alunos pobres ao dos mais ricos na última década.
Ali, o governo canaliza recursos, material de reforço e até consultoria
pedagógica dada pela iniciativa privada a colégios considerados
vulneráveis, segundo um indicador objetivo. Tudo condicionado a metas e
avanços concretos. Um programa que abrange 15% das 1 064 escolas
municipais do Rio norteia-se por preocupação parecida. A crianças de
colégios localizados em áreas à margem do poder público são oferecidas
atividades extras que as mantêm por mais tempo debruçadas sobre os
estudos. Não há dúvida de que isso ajuda. Orgulhosa das notas obtidas à
custa de muito esforço no exame oficial, Maria Joselza, do colégio Pablo
Neruda, afirma: "Nem mesmo o pior dos ambientes é desculpa para não
buscar - e atingir - um elevado padrão na sala de aula".
Destaque em meio à bandidagem
Fincadas em áreas dominadas por criminosos, as duas escolas municipais do Rio de Janeiro têm média bem superior à nacional, segundo o último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), do MEC.
No território do tráfico: Paula Fonseca
Localização: favela Jorge Turco, na Zona Norte carioca
Nota no Ideb: 6,4
Reduto de milícia: Pablo Neruda
Localização: bairro da Taquara, na Zona Oeste carioca
Nota no Ideb: 7,2
Destaque em meio à bandidagem
Fincadas em áreas dominadas por criminosos, as duas escolas municipais do Rio de Janeiro têm média bem superior à nacional, segundo o último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), do MEC.
No território do tráfico: Paula Fonseca
Localização: favela Jorge Turco, na Zona Norte carioca
Nota no Ideb: 6,4
Reduto de milícia: Pablo Neruda
Localização: bairro da Taquara, na Zona Oeste carioca
Nota no Ideb: 7,2