Vejam abaixo como as crianças da
Escola da Ponte em Portugal resolvem seus próprios problemas sobre
indisciplina dentro do colégio:
Rubem Alves*
A menina me havia advertido: para
entender a sua escola eu teria de me esquecer de tudo o que eu sabia
sobre as outras escolas… Lembrei-me da pedagogia de Ricardo Reis:
“…tendo as crianças por nossas mestras…”. E ali estava eu, um velho,
aprendendo de uma criança!
Quis aprender um pouco mais. Perguntei:
“Vocês não têm problemas de disciplina? Não há, entre vocês, os
valentões que há em todas as escolas, que agridem, ofendem, ameaçam e
amedrontam?”
“Ah”, ela me respondeu. “Temos sim. Mas para esses casos temos o tribunal…”
“Tribunal?”, perguntei curioso. Mais uma coisa que eu nunca vira em escolas!
Ela então me explicou: “As leis de nossa
escola foram estabelecidas por nós mesmos, alunos. Temos então de zelar
para que essas leis sejam cumpridas. A responsabilidade com o
cumprimento das leis é nossa e não dos professores e do diretor. Somos
nós, e não eles, que temos de tomar as providências para que a vida da
escola não seja perturbada. Quando um aluno se torna um problema ele é
levado a um tribunal –tribunal mesmo, com juiz, advogado de defesa,
advogado de acusação– e é julgado. E a comunidade de alunos toma a
decisão cabível”.
Voltei à Escola da Ponte um ano depois e
fui informado de que o tribunal deixara de existir. A razão? Um aluno
terrível fora levado a julgamento. O juiz –não me lembro se menina ou
menino– nomeou o advogado de acusação, e o réu nomeou seu próprio
advogado. No dia marcado, reunidos os alunos, o advogado de acusação
proferiu a sua peça, tudo de mau que aquele menino havia feito. O
diretor, que apenas assistia à sessão, relatou-me sua impressão: “O réu
estava perdido. A peça acusatória era arrasadora…”
Chegou a vez do advogado da defesa que ficou mudo e não conseguiu falar. A presidência do tribunal nomeou então um advogado ad hoc, uma menina que teve de improvisar. E essa foi sua linha de argumentação:
“Vocês são todos religiosos, vão ao
catecismo e aprendem as coisas da igreja. Vocês aprenderam que quando
alguém está em dificuldades é preciso ajudá-lo. Todos vocês sabiam que o
nosso colega estava em dificuldades. Precisava ser ajudado. Eu gostaria
de saber o que foi que vocês, que aqui estão assentados como júri para
proferir a sentença, fizeram para ajudar nosso colega…” Seguiu-se um
silêncio profundo. Ninguém disse nada.
A menina continuou: “Então vocês, que
nada fizeram para ajudar esse colega, agora comparecem a esse julgamento
com pedras na mão, prontos a apedrejá-lo?”
Com essa pergunta, o tribunal se
dissolveu porque perceberam que todos, inclusive o juiz e o advogado de
acusação, eram culpados. Como é que estão resolvendo agora o problema da
indisciplina e da violência?
Criaram um novo sistema, inspirado numa
história da escritora Sophia Mello de Breyner Andressen que conta de uma
fada –acho que o seu nome era Oriana– que vivia para ajudar crianças em
dificuldades. Como funciona? É simples. Quando um aluno começa a
apresentar comportamento agressivo forma-se um pequeno grupo de “fadas
Orianas” para impedir que a agressão e a violência aconteçam. Pelo que
me foi relatado, as fadas Orianas têm tido resultados muito bons. Quem
sabe coisa parecida poderia funcionar com os bullies que infernizam a
vida dos mais fracos nas escolas…
* Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
E aí, pessoal? O que acharam do episódio da Escola da Ponte?
Fonte:
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